Superendividado é quando as dívidas são maiores do que os gastos necessários para a pessoa garantir direitos fundamentais para o seu mínimo existencial
O Juiz da 14ª Vara
Cível de Brasília manteve decisão liminar que determinou a fixação de
plano compulsório de repactuação de dívidas entre servidor público e o Banco de
Brasília (BRB), Banco Inter e Santander Brasil, instituições financeiras com as
quais o autor se endividou. A decisão prevê, ainda, que o órgão empregador e o banco réu (BRB)
sejam comunicados para que seja proibido qualquer aprovação de novos
empréstimos pelo autor, enquanto não quitados os
valores alterados pela sentença.
O autor informa
que mantém vínculos jurídicos diversos com os réus, como empréstimos,
cujo total de
valores o impedem de ter o suficiente para sua subsistência, pois superam seu
salário líquido e o impossibilitam de arcar
com despesas básicas de sua família. Com base na Lei 14.181/2021, que
alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pede a aplicação de plano de
pagamento e limitação dos descontos no contracheque e na conta corrente a 30%
de sua remuneração. Bem como que seja instaurado processo por
superendividamento, para revisão e integração dos contratos e repactuação das
dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório, respeitado o mínimo
existencial.
O Banco
Inter alega que os contratos foram realizados de forma lícita e
segundo o interesse do autor, com obediência ao limite legal do empréstimo
consignado. Afirma que as contratações são de responsabilidade do autor. O BRB
pede o indeferimento da ação, por não ter sido regulamentado o mínimo
existencial. Enquanto o Santander reforça os argumentos dos demais réus e
ressalva que é possível que o autor tenha multiplicidade de rendas.
Ao decidir, o
magistrado ponderou que a Lei se preocupa com a prevenção e a resolução dos
conflitos, mas não prevê nada sobre o tratamento. Dessa forma, cabe ao
Juiz buscar soluções que auxiliem o consumidor a evitar o ciclo vicioso,
pois a abertura de crédito em seu rendimento mensal pode acarretar na busca por
mais e mais empréstimos, para manter um padrão de vida que não é o
real.
“A soma das parcelas
pagas mensalmente alcança R$ 7.628,59, além das dívidas únicas com cartão e
cheque especial, enquanto o salário da parte autora, conforme o contracheque,
demonstra que ele recebe o líquido de R$ 7.897,68. Com isso, é evidente que a
cada mês tem um ativo de pouco mais de R$ 300 e não lhe sobra quase
nada para cobrir suas despesas pessoais e da família, nem para pagar os débitos
que não são parcelados, o que gera mais aplicação de juros, tornando a
situação financeira insustentável a médio e longo prazos”, relatou o
julgador.
Na análise do Juiz, a
questão atinente à novel Lei e à condição de superendividamento não passa pela
licitude ou não dos empréstimos. Em regra, são lícitos. "O que
notabiliza a condição mencionada é a incapacidade de o devedor
conseguir organizar seus gastos e viver segundo seus rendimentos, por
chegar a um ponto em que apenas busca mais e mais empréstimos, para dar conta
de suas obrigações pessoais ou familiares, o que o faz entrar numa maléfica
espiral de dívidas, que o afetam também psicologicamente e moralmente”.
O magistrado
verificou, ainda, a concessão de créditos de forma irresponsável,
especialmente, pelo BRB, ao permitir ao autor receber empréstimos e mais
empréstimos, sem que houvesse lastro para os pagamentos, sem afetar o
mínimo existencial. De acordo com o julgador, a Lei 14.181/2021 não
visa permitir aos superendividados a busca por novos empréstimos, mas sim
possibilitar que se organizem minimamente para que possam se afastar do ciclo
vicioso.
Uma vez que o autor é
casado e possui família, no entendimento do julgador, é possível entender o
mínimo existencial maior que o salário-mínimo. Com isso, concluiu
que as parcelas fixadas, sem juros, totalizam a quantia mensal de R$
3.992,06, o que permitirá ao autor o remanescente de pouco mais de R$ 4.500
para suas despesas mensais, valor que atenderia, com certa folga, a exigência
do mínimo existencial. “Justifico a majoração do valor por considerar que
o autor possui outras dívidas, não passíveis de inclusão nessa
repactuação, e precisa desse valor para as despesas pessoais e familiares.
Observo, inclusive, que o custo de vida em Brasília é um dos maiores do país”,
declarou.
Por fim, o Juiz
reforçou ao autor que, caso realize novas dívidas, a sentença perderá a
eficácia, com o consequente cancelamento dos descontos. Deverá, também o
órgão empregador providenciar a limitação dos descontos quanto aos empréstimos
consignados e bloquear a margem consignável do contracheque, até que haja a
quitação dos empréstimos já lançados no documento. Cabe recurso.
Consulte os Autos PJe
nº 0707035-29.2022.8.07.0001
Extraído: sosconsumidor.com.br - Fonte:
TJDF - Imagem: informaparaiba.com.br