Vício aparente é aquele de fácil constatação, perceptível
com o simples uso e consumo do produto ou serviço. Já o vício oculto é aquele
que, concomitantemente, não pode ser verificado com o mero exame do produto ou
serviço e não provoca a impropriedade, inadequação ou diminuição do valor
Note-se que a
mera inacessibilidade do vício pelo consumidor não induz sua clandestinidade se
as suas consequências puderem ser facilmente percebidas.
Constatado o
vício, surge o direito subjetivo de o consumidor demandar o fornecedor pelo
prejuízo incorrido. Evidentemente, não poderá o fornecedor manter-se
responsável perpetuamente, razão pela qual o Código de Defesa do Consumidor
estipulou prazos, a depender da natureza do produto e do vício, para que o
consumidor possa ver-se ressarcido.
Nesse
sentido, conforme preceitua o artigo 26 do CDC, em se tratando de bem não
durável, deverá o consumidor reclamar em 30 dias; se durável, tal prazo será de
90 dias.
Em ambos os
casos, sendo o vício aparente, o prazo do consumidor se iniciará com a efetiva
entrega do produto ou do término da execução dos serviços, segundo o parágrafo
1º do referido dispositivo. Por outro lado, no caso de vício oculto, o prazo é
deflagrado da ciência do referido vício, conforme anuncia o artigo 26, parágrafo
3º, do CDC.
Assim é
porque afrontaria a segurança jurídica a possibilidade de exercício vitalício
de uma prerrogativa jurídica, seja ela oriunda de um direito potestativo, no
caso da decadência, ou de uma pretensão, no caso da prescrição. Ao revés, seria
ilógico penalizar o interessado que se mantém inerte na hipótese de ele
desconhecer a prerrogativa que possui ou não poder exercê-la, sequer se
podendo, a bem da verdade, falar em inércia nesse caso. Tal premissa é aceita
desde os romanos, que conceberam o brocardo contra non valentem agere nulla
currit praescriptio (em português, contra quem não pode agir, não corre a
prescrição).
Importa
ressaltar que, conquanto alguns se refiram ao artigo 26, I e II, do CDC, como
prazos de garantia, não se trata propriamente de prazo de garantia, mas de
reclamação. O artigo 618 do Código Civil, ao tratar do contrato de empreitada,
exemplifica a distinção com clareza, prevendo no seu caput o prazo de garantia,
e, no parágrafo único, o prazo de reclamação.
É por isso que
a ministra Nancy Andrighi defende que, quando o fornecedor oferece garantia
contratual, o prazo desta não é somado àqueles previstos no artigo 26, servindo
estes apenas de embasamento para reclamação de vício surgido enquanto vigente
aquela.
Em razão da semelhança
entre desgaste natural e vício oculto e das consequências sobre a
responsabilidade do fornecedor, é relevantíssima a diferença entre um e outro.
Desgaste
natural é a deterioração do produto em razão do seu uso normal, i.e., o uso de
acordo com a finalidade do produto e as limitações especificadas pelo
fornecedor. Nesse contexto, os prazos de garantia visam acautelar o consumidor
quanto a prejuízos causados por um tal desgaste dentro de um prazo mínimo no
qual se espera não ocorram. Após a expiração desses prazos, tolera-se que o
produto apresente algum desgaste.
Já vício
oculto é aquele oriundo de causa outra que não o uso normal do produto. É
existente desde antes da sua aquisição, mas somente pode ser aferido
posteriormente, sendo fruto de diversas causas: falhas de projeto, cálculo
estrutural, resistência de materiais, entre outros.
Assim, é
imprescindível reiterar uma característica essencial do vício oculto: o fato de
que ele existe antes da aquisição do bem, sendo que apenas o seu surgimento se
dá a posteriori. A ressalva é importante para distinguir situações que não
configuram vício oculto.
A
responsabilidade civil do fornecedor por vícios engloba os deveres de
qualidade, quantidade e informação que tem em relação ao consumidor. Tais
deveres, em conjunto, visam a assegurar que o produto ou serviço ofertado pelo
fornecedor atenda à finalidade que legitimamente se espera, o que se perfaz no
dever de adequação (artigo 18, caput, do CDC).
No que tange
a bens duráveis, da leitura sistemática do referido dispositivo com o artigo
4º, II, “d”, do CDC, percebe-se a intenção do legislador em substanciar o que
se entende por expectativa legítima do consumidor em relação ao produto ou
serviço adquirido: a conjugação entre finalidade e durabilidade razoável.
Vida útil,
portanto, é o lapso temporal durante o qual o consumidor pode esperar
legitimamente que o produto ou serviço irá funcionar de maneira adequada.
Como visto,
em se tratando de vício oculto, o consumidor tem os prazos de 30 ou 90 dias, a
depender da durabilidade do bem, contados da sua ciência, para reclamar perante
o fornecedor.
No entanto, o
CDC não estabeleceu um termo final para essa responsabilidade, é dizer, a
legislação consumerista não fixou até quando pode o fornecedor ser
responsabilizado por um vício oculto.
É verdade que
essa ausência de prazo subjetiviza a questão, podendo dar azo a abusos, bem
como encarecer o bem. Inobstante, parece-nos ter sido a melhor opção, tendo
assim feito o legislador porque, a uma, seria arbitrário e desproporcional um
prazo único de garantia para todos os bens e, a duas, seria impraticável
elaborar uma lista com prazo de garantia para todos os produtos e serviços
oferecidos no mercado, além de ter de ser atualizada a cada instante.
Por outro
lado, instalar-se-ia enorme insegurança jurídica caso possível o exercício
vitalício de uma prerrogativa jurídica, razão pela qual teve a doutrina que
estabelecer um lapso temporal findo o qual não poderá mais o consumidor
pleitear a responsabilização do fornecedor por um vício oculto,
identificando-se duas posições: (i) uma fundada no prazo de garantia, e (ii)
outra na vida útil do produto ou serviço.
A primeira
corrente argumenta que o consumo de um produto ou serviço passa por uma fase de
preservação, na qual se busca conservar a sua adequação. E esse prazo, em
regra, é mensurado pela garantia contratual, que, por sua vez, é fixada pelo
fornecedor. Assim, não podendo ser eterna a responsabilidade do fornecedor,
somente responderá por vício oculto caso este se manifeste dentro do prazo da
garantia contratual.
Já a segunda
corrente aduz que o fornecedor será responsável por vícios ocultos enquanto o
produto ou serviço estiver dentro da sua vida útil. E nós nos alinhamos a esta
pelos argumentos seguintes.
Em primeiro
lugar, a garantia contratual, quando é estipulada, ela o é unilateralmente, ao
exclusivo arbítrio do fornecedor, como também reconhece a primeira corrente.
Contudo, entendemos que o parâmetro utilizado pelo fornecedor para fixar tal
garantia não é o da vida útil do produto, mas a sua intenção de lucro e seu
objetivo de reduzir seus custos ao abreviar o prazo pelo qual responde por
eventuais vícios.
Até porque,
se estivesse correta a primeira corrente, seríamos obrigados a concluir que nas
hipóteses em que o fornecedor não oferece garantia contratual a vida útil do
produto seria equivalente a zero. E isso violaria um dos princípios da tutela
consumerista: dentre os diversos norteadores da Política Nacional das Relações
de Consumo, encontramos aquele que determina que a Administração Pública agirá
para garantir ao consumidor produtos duráveis (artigo 4º, II, “d”, do CDC).
Em segundo
lugar, a primeira corrente, aparentemente, distingue desgaste natural e vício
oculto conforme a expiração ou não do prazo de garantia contratual,
respectivamente. No entanto, essa não nos parece ser a distinção mais
recomendada, seja porque os institutos são diversos do ponto de vista
ontológico – e não do volitivo do fornecedor –, seja porque submeter a fixação
da vida útil de um bem ao exclusivo arbítrio do fornecedor exacerbaria a
vulnerabilidade do consumidor, além dos demais aspectos já enfrentados no
primeiro argumento.
Além disso,
valer-se da garantia contratual como critério de fixação da vida útil de um bem
estimularia, ainda que indiretamente, a obsolescência programada, pois essa
fixação se fundaria em um parâmetro absolutamente arbitrário.
Em terceiro
lugar, aceitar a responsabilidade do fornecedor por vício oculto apenas
enquanto vigente a garantia implicaria dupla cobrança do mesmo bem: uma pela
sua aquisição e outra pelo seu conserto em um momento no qual o produto ou
serviço não deveria apresentar impropriedades.
Isso viola
mais de uma norma jurídica: configura enriquecimento ilícito e afronta o
princípio da boa-fé objetiva, pois, se ainda está na sua vida útil, nada mais
lógico e legítimo que o consumidor não tenha que arcar com custos para manter o
produto ou serviço funcionando, sob pena de desvirtuamento do próprio conceito
de vida útil.
E uma vez que
é legítima a expectativa do consumidor de que o bem por ele adquirido funcione
adequadamente durante a sua vida útil, reveste-se de indispensável lealdade a
conduta do fornecedor em oferecer seus bens sob tais parâmetros. Assim, pode-se
afirmar que essa expectativa do consumidor quanto à vida útil do produto está
protegida pela boa-fé. Nas palavras do ministro Salomão no REsp 984.106:
“9. Ademais,
independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por
durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de
configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da
boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo,
sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever
de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a
compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável,
fosse mais longo.”
E,
finalmente, em quarto lugar, corrobora essa segunda corrente o fato de que,
como dito, o CDC não previu prazo de garantia, mas de reclamação, porque
impossível prever um prazo de garantia para cada produto.
Dessa forma,
entender pela vinculação da responsabilidade do fornecedor ao prazo de garantia
por ele estipulado geraria uma situação, no mínimo, curiosa, já que, no caso de
não haver essa garantia, a rigor, o consumidor poderia reclamar, mas não teria
garantia para embasar a reclamação. Seria uma reivindicação oca.
Não se
desconhece o raciocínio empregado pela ministra Nancy Andrighi no REsp 967.623,
mas, data venia, dele discordamos, exatamente porque, se o prazo de reclamação
diz respeito apenas aos vícios ocorridos no prazo da garantia contratual, em
inexistindo essa, não haveria possibilidade de reclamação alguma. Portanto,
ainda que tecnicamente não tenha o CDC previsto prazo de garantia, apenas de
reclamação, os prazos previstos no seu artigo 26, I e II, devem ser
interpretados como que imbuídos de um direito de garantia.
Por todo o
exposto, concluímos que cabe ao magistrado, no caso concreto, a determinação da
vida útil, segundo as características do produto ou serviço, bem como a expectativa
legítima da sua fruição e parâmetros de adequação. Essa a solução mais razoável
porque:
“É regra de
equilíbrio que empresta utilidade à extensão diferenciada do prazo em relação
aos vícios ocultos, ao mesmo tempo em que não permite interpretação irrazoável
no sentido do estabelecimento de uma garantia sem termo final de eficácia, e
confundindo-se, eventualmente, com o resultado do próprio desgaste natural do
uso do produto”.
Extraído de: sosconsumidor.com.br/noticias - Fonte: Consultor Jurídico
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