Conforme pesquisa divulgada pela Forbes, o Brasil é o líder mundial em tempo gasto com aplicativos, com uma média inacreditável de quatro a cinco horas diária
As redes sociais
tornaram-se parte integrante da vida de bilhões de pessoas. Para os
brasileiros, WhatsApp, Instagram e Facebook constituem, a um só tempo, fonte de
lazer e notícias, mecanismo de interação social, ferramenta de trabalho.
Conforme pesquisa divulgada pela Forbes, o país é o líder mundial em tempo
gasto com aplicativos, com uma média inacreditável de cinco, quatro horas
diárias.
Sob o prisma jurídico, a
oferta de serviços digitais pelas redes sociais, frequentemente sem a cobrança
de dinheiro, termina por mascarar a relação de consumo inerente ao uso destas
plataformas. Não se trata apenas de recordar que a remuneração não é requisito
para caracterizar a relação de consumo (Art. 39 do CDC); é preciso,
igualmente, ressaltar que sob o manto da gratuidade se esconde a circunstância
de que as redes sociais enriquecem com os dados pessoais e intensa atividade
publicitária.
Sob o prisma jurídico, a
oferta de serviços digitais pelas redes sociais, frequentemente sem a cobrança
de dinheiro, termina por mascarar a relação de consumo inerente ao uso destas
plataformas. Não se trata apenas de recordar que a remuneração não é requisito
para caracterizar a relação de consumo (CDC, artigo 39); é preciso,
igualmente, ressaltar que sob o manto da gratuidade se esconde a circunstância
de que as redes sociais enriquecem com os dados pessoais e intensa atividade
publicitária.
Os números falam por si:
"O Facebook registrou lucro líquido de US$ 9,194 bilhões no terceiro
trimestre deste ano, uma alta de 17% em relação ao mesmo período de 2020".
As receitas envolvem a massiva coleta de dados pessoais, a publicidade
direcionada, entre outras estratégias para atrair a atenção e influenciar
comportamentos. Em 2019 observou-se que 90% dos profissionais de marketing
reputam o Instagram como o canal mais importante para marketing influenciador.
Na economia da atenção
o usuário torna-se o produto, e seu tempo a moeda. Ademais, como adverte
Shoshana Zuboff, por meio do capitalismo de vigilância os dados são
convertidos em matéria-prima para estratégias preditivas, e igualmente, para behavioral
modification, ou seja, para estabelecer comportamentos. Permita-se
enfatizar, significa que as redes sociais fiscalizam, mapeiam, documentam,
compartilham, e também, moldam comportamentos.
Desse modo, interligam-se
a assimetria informacional, dominação tecnológica, monopólio de serviços,
interferência no comportamento, acompanhada da massiva coleta de dados
pessoais. Esse olhar que extravasa o direito, ao enxergar as interfaces com a
economia, tecnologia, publicidade, e tantas outras áreas, é indispensável para
compreender endereçar adequadamente as transformações em curso. É a partir da
soma destes pressupostos que se pode notar que ao empregar modelos de preço
zeroas plataformas digitais miram uma estratégia focada na
"intensificação de concentrações de mercado e de barreiras às entradas com
distorções para além do preço, alcançando a privacidade, autodeterminação e a
própria democracia". Em síntese, ao não se remunerar em dinheiro as redes
sociais termina-se por pagar um preço exorbitante, que se desdobra em um
cenário aterrador em matéria de dados pessoais.
O cenário apresentado faz
emergir múltiplas questões jurídicas. No presente texto, elegeu-se destacar 3
desafios da tutela jurídica do consumidor digital nas redes sociais, que se
passa a explorar.
Extraído: sosconsumidor.com.br/noticias - Fonte: Conjur - Por: Gabriel Schulman
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O "dono do jogo": O problema
da adesão e modificação unilateral dos Termos de uso e da Política de
Privacidade
No mês de maio, em seu
site oficial, o WhatsApp comunicou que "o uso dos recursos do app será
limitado até que você aceite os Termos de Serviço e a Política de Privacidade
atualizados, porém, nem todos os usuários terão essas mudanças ao mesmo
tempo". Este exemplo pontual busca ilustrar que a relação contratual
travada com as redes sociais é marcada não apenas pela imposição dos termos
— usual nas relações de consumo — porém, também por sua modificação
unilateral alicerçada na posição monopolista. Com a aquisição do WhatsApp e do
Instagram, o Facebook estabeleceu uma "uma dominância de mais de 70% do
mercado de redes sociais". Essa concentração de mercado e poder foi
conduzida por meio de uma clara estratégia de eliminação de rivais, como
destacou o Federal Trade Commission, dos EUA.
Na década de 1970,
Orlando Gomes já externava profunda preocupação com a contratação "sem a
possibilidade de modificação pelo cliente a quem se recusa todo o direito de
modificação". Como advertia "o Código Civil é inteiramente omisso
e nenhuma lei subsequente se ocupou" dos contratos de adesão.
Décadas mais tarde, a releitura sob as lentes do direito digital coloca em
evidência a insuficiência de instrumentos jurídicos para lidar com os desafios
que estão postos.
O problema não se cinge à
adesão, porque inclui o superpoder de "mudança das regras do jogo". O
caráter central das ferramentas digitais no modelo de negócio de muitas
empresas, associada à dinâmica própria dos contratos eletrônicos garante às
plataformas a possibilidade de ditar as regras e reescrevê-las. A opacidade dos
códigos-fonte protegido pelo segredo de negócio e pelo caráter dinâmico dos
sistemas, além da inexistência de alternativas comprometem a fiscalização e
minam a capacidade de negociar.
A conta do Instagram hackeada: O
problema do roubo de perfil e a (falta) qualidade do serviço
Sob a perspectiva do
direito do consumidor, a prestação dos serviços pelas redes sociais deve
atender a padrões adequados de qualidade, assim como de segurança e
transparência; não é o que se tem observado. Recente decisão do Tribunal de
Justiça de São Paulo sublinha que "vem aumentando a quantidade de
contas hackeadas no Instagram sem a possibilidade de recuperação pelo usuário,
posto que ineficazes os meios disponibilizados pela plataforma para tanto".
Estratégias ineficazes no
combate a fraudes fomentam a clonagem e roubo de perfis nas redes sociais. Como
se sabe, estes perfis possuem relevante projeção econômica, e são vistos quase
como "marcas pessoais". O crescimento dos cibercrimes não
coaduna com a fragilidade e demora dos procedimentos para recuperação dos
perfis revelam uma falha grave do serviço. São igualmente ineficientes os
filtros de postagens. O controle baseado em denúncias feitas por outros usuários
e sistemas automatizados permite que prosperem acusações injustas voltadas a
atingir certa pessoa ou causa.
A proteção adequada do
consumidor demanda a implementação de estratégias operacionais eficazes,
facilitadas e velozes, tanto para prevenir incidentes com dados pessoais dos
usuários, quando para contorna-los quando ocorrem. Como já exposto, a prestação
do serviço sem remuneração em dinheiro não subtrai a responsabilidade das
plataformas, nem justifica a falta de qualidade. Nesse sentido, em casos de incidentes
de segurança os sistemas devem ser aptos, inclusive, a recuperação de dados
pessoais — tais como fotos e postagens —, como decorre do disposto no
Marco Civil da Internet e no Código de Defesa do Consumidor.
Last, but not least, problemas tratamento de dados pessoais
Como diz a famosa máxima
sobre proteção de dados pessoais, quando um serviço não é cobrado, o produto é
o próprio usuário.
As redes sociais
alimentam-se vorazmente de dados pessoais sem que os consumidores sejam capazes
de compreender, ou efetivamente decidir sobre os tratamentos realizados. A
sombra que paira sobre os termos de uso contradiz os deveres-princípio de
transparência e informação, pressupostos para tomada de decisão e premissas nas
relações de consumo e na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD,
artigo 6º, VI, artigo 10, §2º; Marco Civil da Internet,
artigo 3º, II). A transparência sede lugar à invisibilidade da coleta de
dados pessoais e da publicidade, muitas vezes realizada sem a consciência ou
sem o controle do consumidor.
Nesta linha, ao analisar
os termos de uso do WhatsApp, Zanatta sintetiza a contradição entre o que se
promete e o que se verifica por meio da significativa expressão
"consentimento forçado". No tocante à proteção de dados
pessoais, viola-se a legislação, inclusive, por não observar o privacy by
default e escolhas informadas. Permita-se ressaltar, não há nem informação
adequada, muito menos escolha.
Diante da fragilidade dos
consumidores, revela-se bastante relevante a atuação institucional. É exemplar
a recomendação conjunta do Ministério Público Federal, Senacon, Cade e a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD, sobre a política de
privacidade da ferramenta do WhatsApp, com a orientação de que deve "abster-se
de restringir o acesso dos usuários às funcionalidades do aplicativo, caso
estes não adiram à nova política de privacidade, assegurando-lhes a manutenção
do atual modelo de uso e, em especial, a manutenção da conta e o vínculo com a
plataforma, bem como o acesso aos conteúdos de mensagens e arquivos, pois
configuraria conduta irreversível com potencial altamente danoso, inclusive aos
direitos dos consumidores, antes da devida análise pelos órgãos reguladores
competentes; adotar as providências orientadas às práticas de tratamento de
dados pessoais e de transparência, nos termos da LGPD, conforme Relatório nº
9/2021/CGF/ANPD e Nota Técnica nº 02/2021/CGTP/ANP".
Como se vê, tratam-se de
novos (e preocupantes) horizontes para o direito do consumidor. Com estas
rápidas reflexões, pretende-se contribuir ao debate sobre a proteção do
consumidor no universo digital. Por fim, permitam-se algumas notas a partir do
exposto:
- As normas
protetivas do CDC incidem na relação entre redes sociais e seus usuários, como
instrumentos úteis, embora ainda insuficientes em face da hipervulnerabilidade.
- A adoção de
estratégias de filtragem de disposições abusivas por órgãos de tutela coletiva
corresponde a indispensável mecanismo para incrementar a proteção dos
consumidores. Cumpre acrescentar ainda que a proteção de dados pessoais se
mostra um desafio ainda mais profundo pela ampla utilização das redes sociais
por crianças e adolescentes, tema para outro texto.
- A demora ou
ineficiência no combate ao roubo e clonagem de perfis são falhas do serviço e
sujeitam as redes sociais a reparação por danos morais e materiais, sem
prejuízo da imposição de obrigações de fazer como restabelecer fotos, e o
próprio perfil ou conta em rede social.
- A ofensa à livre
concorrência, inclusive com a adoção de práticas anticompetitivas está presente
também em mercados de preço zero e deve ser levada em conta para analisar a
(falta de) qualidade do consentimento para tratamento de dados pessoais dos
consumidores.
- A combinação da
proteção constitucional, do CDC, Marco Civil (artigo 2º, V, e
artigo 7º, XII) e LGPD (artigo 2º, VI, artigo 18, §8º, artigo 20 e
artigo 45) pode oferecer instrumentos interessantes para a tutela do
consumidor, inclusive na proteção de seus dados pessoais - Marco Civil
(artigo 8º, artigo 16) e LGPD (artigo 2º, VI, artigo 18,
§8º, artigo 20 e artigo 45).
- É preciso
desnaturalizar as modificações unilaterais nos termos de uso, em especial
diante do contexto de profunda dependência econômica e tecnológica das
plataformas.
- A interface entre
antitruste e proteção da privacidade precisa ser melhor explorada no direito
brasileiro, sobretudo para melhor compreensão do consentimento em matéria de
tratamento de dados pessoais, inclusive com escolhas informadas e privacy by
default.
- Enfim, estamos
atrasados para um futuro que já começou.
Extraído: sosconsumidor.com.br/noticias - Fonte: Conjur - Por: Gabriel Schulman
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